O amor cura antes mesmo de se diagnosticar as feridas




3 de maio de 2016




Eu não sabia muito bem por onde começar a escrever esse texto, tinha medo, pois entre quem escreve e quem lê existe um distanciamento, falta o olho no olho, e nesse vazio podem se estruturar rótulos, interpretações erradas e até mesmo expectativas falsas, mas precisava escrever, quando escrevo as palavras saem de mim, dão a volta no mundo, ecoam e voltam transformadas, ou ainda mais: melhoradas. Pois bem, passei um café e cá estou de coração aberto.
Nosso filho, o Enzo, não se adaptou a escola, tentamos, por vinte dias, levá-lo, acompanhá-lo, incentivá-lo, a escola por lá fazendo sua parte, percebo que as escolas de um modo geral estão despreparadas para o "diferente" ou para o ainda não vivido, os profissionais têm pouco manejo e muita falta de conhecimento. Ele voltava da escola entristecido e meio assustado. Cada vez que eu ia buscá-los ele corria para meus braços me abraçava forte e dizia meio suspirando: "a mãe me buscou, a mãe me buscou!!" Dizia isso com alguém que estava com medo de que isso não fosse acontecer: "o buscar". Eu chorava escondida, pois sentia que ele estava sofrendo.
Nosso pequeno sempre teve um desenvolvimento normal, andou no  tempo esperado, falou no tempo esperado, sorria muito, se comunicava com olhares, choros e balbuciou, olhava-nos nos olhos, sempre nos chamou atenção sua afetividade, ele é extremamente afetivo com todos, sem distinção.
Percebíamos que nosso filho se diferenciava em alguns aspectos: aprendeu o alfabeto (em português e inglês) com dois anos e três meses, as cores, as formas, os numerais vieram logo em seguida, também nas duas línguas, hoje aos quatro anos ele fala e sabe o significado de mais de cem palavras em inglês, reconhece cores, números, letras, formas, canta centenas de músicas, reconhece e nomeia corretamente objetos que nós adultos as vezes nem sabemos pronunciar, fala as palavras de forma correta, os plurais, é educado, usa as palavras de gentileza com todos, AMA incondicionalmete os animais, sua "cachorrada" então... corre, dança, pula, etc, no entanto se recusa a deixar a mamadeira, essas coisas me chamam atenção, pois além de atenta já trabalhei com educação e desenvolvimento infantil por tanto tempo e tive dez anos de aprendizado e envolvimento na área da educação especial. 
Construímos um ambiente propício para o desenvolvimento tanto dele quanto da nossa filha Raquel, desde que eles chegaram há quase quatro anos minha dedicação a eles é total, realizamos muitas coisas, principalmente na área das artes: visual, música, teatro e dança, também e com total importância falamos muito sobre o planeta e tudo o que nele vive: todas as espécies, sem distinção, sem esquecer nenhuma, da formiga ao ser humano, tudo e todos são respeitados por nós, as letras e todo o resto vieram junto, essa é a nossa melhor parte: brincamos e aprendemos em meio as tintas, as músicas e a natureza. No meio de tudo isso íamos percebendo que o Enzo se diferenciava de algumas crianças da mesma idade que ele, cientes de que cada um se desenvolve de um jeito e no seu tempo, levamos isso em conta sempre, mas haviam algumas coisas que nos chamavam a atenção, principalmente em seu desenvolvimento psíquico, enquanto seu lado intelectual avançava de forma surpreendente, percebíamos que alguns aspectos básicos do desenvolvimento infantil pareciam ser mais difíceis para ele, como por exemplo: vestir-se sozinho ou escovar os dentes, ele não apresenta dificuldade motora, mas não se concentra no fazer e a ansiedade impedi que realize essas coisas com exito e acaba se frustrando. Observamos também que sua linguagem apesar de rica em vocabulários, se restringe em alguns momentos, de novo a ansiedade, e acaba repetindo frases aleatoriamente, além disso o seu interesse específico por determinadas coisas: música, instrumentos musicais, livros, máquinas de todos os tipos (aparelhos eletrônicos a eletrodomésticos) nos intriga. O que de fato me deixa mais preocupada é que ele faz muito pouco a brincadeira simbólica, a exploração do brinquedos é mais especulativa, a curiosidade comanda o brincar, por outro lado ele explora o simbolismo e brinca muito quanto nos fantasiamos de outros personagens, basta colocar um chapéu e a brincadeira começa de forma linda e criativa. Tudo isso e mais nos levaram a procurar um neuro pediatra, queríamos investigar e descobrir o "porque" das coisas. Estamos nesse processo e tentativa há um ano, já ouvimos neuros, psicólogos e psicopedagogos, infelizmente aqui em Caxias do Sul, (não posso generalizar) mas nos profissionais que fomos nos pareceu claro um despreparo para lidar com o que nosso filho vinha apresentando, o atendimento está meio programado no piloto automático e a resposta é: 'medicamentos!!" não que isso seja descartado, mas precisamos de um diagnóstico mais preciso ou o mais próximo possível do real, fomos então consultar profissionais de Porto Alegre e foi como se uma luz acendesse em nós, uma neuro pediatra muito capacitada e experiente nos indicou caminhos, nada rígido e tão pouco um diagnóstico preciso foi apresentado até agora, pois o comportamento do Enzo não se encaixa em nada 100%, ou seja, ele tem algumas atitudes que se encaixam no espectro autista (asperger) por exemplo, mas por outro lado sua afetividade e sua autonomia não se enquadram nesse diagnóstico. Seguimos investigando e procurando respostas, estamos sendo assistidos por duas profissionais da Porto Alegre e uma daqui, pessoas nas quais acreditamos e percebemos um conhecimento que vai além dos livros. Já se pensou em tudo e de tudo: transtorno de ansiedade, asperger, transtorno por separação (nesse caso da mãe) por toda a sua vivência intra uterina e pós concepção que foi traumática e marcante, já pensamos em hiperatividade, enfim muitas coisas foram cogitadas, mas nada concluído. Ele tem uma memória invejável, se apropria do conhecimento com uma facilidade gigante, mas essa memória também tem seu lado negativo, pois parece que ele reviveu o trauma do abandono inconscientemente ao ficar na escola, desde lá ele não tolera frustrações, por vezes ele parece um menino sem limites, mas não é, (pausa, suspiro...). Já enfrentamos algumas situações de difícil manejo com ele em lugares públicos ou mesmo em casa, mas preciso e devo lhes contar: O AMOR SALVA, CURA E RESTAURA ELE E NÓS, e por mais que eu já tenha escrito, é aqui que inicio meu texto de verdade, é aqui que começo escrever as palavras que me norteiam e que me transformam todos os dias. Ainda não sabemos bem por onde ir, para onde ir, mas temos certeza que estamos a caminho do melhor, tenho ao meu lado um marido e pai maravilhoso que aprende, cresce e se apropria comigo das coisas que a vida nos lança, sou imensamente grata pela família que tenho, todos (avós, tios, primos...) amam incondicionalmente meus filhos e isso é tudo. O Enzo é um menino incrível, muito feliz e amado, nos ensina todos os dias, nos dá lições que nunca aprenderíamos sem ele, me motiva particularmente a ser uma pessoa melhor. Ouvi isso de uma das profissionais envolvidas conosco nesse processo todo: "talvez ele não tivesse se desenvolvido tão bem até aqui, se não fosse o amor, a dedicação e os estímulos dados a ele por vocês..." e mais: "penso eu que vocês o ""salvaram"" de um possível autismo, e as lacunas existente nele agora foram constituídas e estruturadas antes dos oito meses, antes de vocês o tê-lo". Guardei comigo a parte do AMOR, pois sei bem que atrás ou dentro dele está todo o resto. Não quero  pensar que o salvamos de nada, mas que o amor salvá-nos de tudo. Este ano eu ia reabrir meu atelier, escrever meus livros, fazer minhas ilustrações, voltar a dar aulas, voltar a dançar, sair mais, escrever mais, desenhar mais... e cá estou eu AMANDO mais, aprendendo mais, me dedicando mais a missão do momento, sou dessas que encaro as coisas de peito aberto, choro sim, para aliviar o peso das cargas, mas não enfraqueço e muito menos desanimo, pelo contrário, nas adversidades que me reconheço, acredito na letra de uma música do Milton Nascimento: "só o tempo vai me revelar quem sou", é isso: o tempo e a vida me revelando quem tenho que ser agora, por ora, por hoje, amanhã e depois é outra vida, outra página, outro livro, vou vivendo aquilo que o universo e que Deus me reservam, sem lamentos, sem reclames. Só o tempo e eles, os meus filhos podem revelar quem sou por agora, Enzo e Raquel não chegaram por acaso, vieram porque tínhamos um encontro marcado, o mais lindo de todos que já vivi.
Das coisas que tinha me programado para fazer, voltei somente para a dança, através dela me conecto comigo mesma, e percebo que não sou mais apenas uma, sou muitos. Sou tão grata por tudo o que tenho e por poder ser a mãe que sou, erro muito, acerto as vezes, aprendo muito, ensino as vezes. Lembro bem do dia que buscamos nossos filhos, lembro que era quase certo de que o Enzo seguiria pelo resto da vida tomando medicamentos para asma, bronquite, etc... pois ele não toma nada, raramente adoece, a gripe passa longe dele, é extremamente saudável, se alimenta muito bem, tem o sorriso mais largo e lindo que conheço e me faz amar da forma mais larga e linda que sei.  Pode ser que não seja nada e que emocionalmente as coisas se organizem e ele acabe superando tudo isso com um acompanhamento psicológico, pode ser que seja algo que precise de medicamento, pode ser que precise de tudo isso junto, pode ser isso ou aquilo, ou ainda outros issos ou nada disso......... Algumas pessoas me disseram que ele pode ser uma criança índigo, estudando isso também....... Não tem sido fácil viver com esse turbilhão de coisas, mas não me lembro ter pedido facilidades nessa ou em outra vida, me recordo de pedir felicidades, e com infelicidades no meio, sou muito feliz! 

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